Capítulo 5 – O rapto

 

A porta abriu-se lentamente e alguém entrou. O quarto estava silencioso e pouco iluminado. Magda dormia serenamente sobre o efeito dos calmantes. A pessoa aproximou-se da cama, pé-ante-pé e olhou Magda. Sorriu ao vê-la dormir e, com as suas mãos enluvadas, afastou-lhe o cabelo do rosto e acariciou-se a face. Magda, a dormir, seguia os movimentos das mãos. Talvez sonhasse que fosse David a acariciá-la. A pessoa retirou os cobertores e preparava-se para pegar na mulher do médico ao colo, quando ouviu vozes. Imediatamente afastou-se da cama e se encostou à parede, aguardando que a pessoa se afastasse e rezando para que não entrasse no quarto. Após achar que era seguro, voltou a aproximar-se da cama e, sem querer, prendeu a calça num dos ferros da cama, magoando-se. Abanou a mão, tentando não emitir nenhum som de dor e pegou em Magda ao colo, saindo do quarto.

- O David Desrosiers vai ficar detido até chegarmos a algumas conclusões. – Informou Chuck.

- Temos de nos apressar. – Disse Jeff.

- Porquê? – Questionou Chuck.

- O palpite que eu tenho em relação a este caso… – Pausou Jeff.

- Qual? – Inquiriu Chuck, com ar curioso.

- Quando tiver a confirmação, eu digo-te.

Chuck, ficou com ar ainda mais curioso, olhando Jeff. A porta do gabinete abriu-se e surgiu Sebastien, que se encaminhou para a secretária onde se encontrava Jeff e Chuck.

- Temos visitas. – Avisou Sebastien.

Parou perante uma porta, com Magda sobre o ombro. Rodou a maçaneta e abriu-a. Surgiu uma dependência mal iluminada apenas com duas mesas. Entrou e fechou a porta. Encaminhou-se para uma das mesas, que estava tapada por um lençol e deitou Magda, cuidadosamente. Certificou-se que esta estava bem. Ajeitou-lhe o pijama e acariciou-lhe o rosto, novamente, suspirando. Afastou-se lentamente da mesa e saiu, trancando a porta.

- Estranho? – Questionou Chuck.

- Estranho como? – Perguntou Jeff, desconfiado.

- Estava desatento. O Pierre sempre foi das pessoas mais atentas que eu conheço. – Revelou Hortense. – É a profissão dele! Tem de estar atento aos pormenores mais pequenos. Aliás, como os senhores.

- Sim… – Concordou Jeff.

- Quando o Pierre foi contratado para investigar a Magda Desrosiers, ele começou a esquecer-se das coisas. Começou a largar os casos que tinha em mãos… – Pausou Hortense.

- Largou? – Perguntou Chuck, admirado.

- Sim. Ele passava o tempo todo atrás da Magda Desrosiers, mesmo quando não era preciso. – Revelou Hortense, sobre o olhar dos inspectores. – Por exemplo, quando ela estava em casa com o marido.

- Ele ficava a observá-la? – Perguntou Jeff, com o seu habitual ar desconfiado.

- Sim, ficava. Eu acho que ele até deixou de ir a casa. Deixou de ir ao escritório.

 - E vivia onde? – Questionou Chuck.

- No carro. Passava o tempo todo no carro, coisa que ele nunca tinha feito antes. O Pierre costumava dizer sempre que, um caso é só um caso. Trabalho. Não nos podemos envolver com um caso… – Insinuou Hortense.

- Acha, portanto, que ele se envolveu neste caso… – Concluiu Jeff.

- Acho. Até porque… – Pausou Hortense, relembrando o momento em que Pierre a tinha rejeitado.

- Porque o quê? – Insistiu Chuck.

- Ele estava obcecado por ela.

- Mas vocês os dois…

- Nós eramos namorad… Tínhamos uma relação. – Desvendou Hortense.

- Que acabou… – Concluiu Chuck.

- Quando o Pierre começou a investigar a Magda Desrosiers. E querem saber uma coisa? – Questionou Hortense, com ar vitorioso. – O Pierre sabia desde o início que a Magda Desrosiers não enganava o marido. Mas mesmo assim, continuou atrás dela. Ele guardou as informações durante algum tempo e depois teve de apresentar os resultados.

- Claro… – Soou Chuck.

- Quando o David Desrosiers soube que a Magda lhe era fiel, ele deu por encerrada a investigação.

- E deixou de pagar ao Pierre. – Disse Jeff.

 - Mas mesmo assim, o Pierre continuou atrás da Magda. Ele não me disse mas eu sei…

- Acha que o Pierre pode ter tentado matar a Magda? – Perguntou Chuck, de sobrancelha erguida.

- Não sei. – Respondeu Hortense. – Eu pensava que conhecia o Pierre, mas ele mudou muito desde que conheceu a Magda. Hoje em dia, eu não sei do que ele seria capaz.

- Bom, obrigado pela sua ajuda. – Disse Chuck, levantando-se, seguido de Hortense e Jeff.

- Eu só achei que poderia ser útil e por isso vim aqui. – Respondeu Hortense, estendendo a mão aos inspectores, para os cumprimentar. – Se precisarem, contem comigo.

- Obrigado. – Respondeu Chuck, sentando-se de novo.

Jeff abriu a porta e Hortense saiu. Fechou novamente a porta e voltou a sentar-se.

- Estava zangada, ela… – Constatou Chuck, encostando-se na cadeira.

- E vingativa. – Completou Jeff.

- Será que… Ela nos contou a verdade? – Perguntou Chuck.

- Eu acredito que sim. – Respondeu Jeff, após pensar um pouco. – Mas a explicação que o Pierre nos deu para ter ido ao enterro da Magda não me convenceu minimamente. E aqui a questão que se impõe não é se é verdade, é porquê!

- Porquê que ela nos veio contar esta história. – Questionou Chuck, pensativo. – Será que ela está a dizer a verdade ou está só a desviar as atenções?

- Desviar as atenções do quê? De algum envolvimento que tenha neste caso? – Inquiriu Jeff, encorrilhando o sobrolho. Chuck concordou. – Será que foi ela que, num ataque de ciúmes, tentou matar a Magda Desrosiers?

Chuck olhou-o, pensativo. Fazia algum sentido. Sebastien entrou numa das dependências do laboratório, onde estavam a analisar o caixão.

- Eu odeio caixões! – Rezingou, de mãos na cinta.

- Deste é capaz de gostar. – Brincou um dos analistas.

- Então, tem boas informações para mim, é? – Perguntou Sebastien, olhando de lado para o caixão, como se a madeira em forma de caixa lhe fosse saltar para cima, prendendo-o.

- Temos. Tiramos várias impressões digitais do caixão. Umas desconhecidas, outras conhecidas. Mas as do David Desrosiers estão por toda a parte.

- Sim, mas isso é normal, foi ele que tratou de tudo. – Informou Sebastien.

- Exactamente. – Concordou, a analista. – E em relação às outras que não conseguimos identificar, comparamos com a base de dados e há uma reconhecível.

- Qual? – Perguntou Sebastien, cruzando os braços.

- Do Pierre Bouvier. Temos as impressões digitais dele no arquivo de identificação. – Disse o analista. – E condiz com as que encontramos no caixão.

- Então, isso quer dizer que o Pierre tocou no caixão… – Recapitulou Sebastien.

- Com toda a certeza. – Disse o Analista.

 

Jeff e Sebastien saíram do edifício da PJ. Como Jeff sempre tinha dito, havia qualquer coisa que não batia certo. Precisavam de falar com Pierre Bouvier. Pararam à porta e Jeff ligou para o Detective, informando que precisava de lhe fazer umas perguntas e pedindo para que se deslocasse ao departamento. Pierre acedeu ao pedido obrigatório do Inspector. A subir as escadas para entrada, vinha Cândida, apressada.

- Olá! – Saudou Jeff.

- Ah… Olá, Inspectores. – Respondeu Cândida, um pouco atrapalhada, parando e ajeitando o cabelo.

- Está tudo bem consigo? – Perguntou Sebastien, de óculos de sol e mãos na cinta.

- Mais ou menos, mas isto passa. Senão se importam eu vou falar com o David. – Respondeu, apontando para o edifício e afastando-se. – Até logo.

- Bem, ainda queres ir comer? – Perguntou Sebastien.

- Eu querer, queria, porque tenho os estomago colado às costas… Mas tenho a impressão que vai ficar assim mais um bocadinho. – Soou Jeff, aborrecido. – Vamos entrar? Quero saber o quê que essa menina tem para dizer ao cunhado.

Na sala de interrogatórios estava Cândida, inquieta, enquanto David a tentava acalmar. Jeff, Sebastien e Chuck, observavam-nos pelo vidro.

- Eu não consigo…! – Queixou-se Cândida.

- Tem calma. – Pediu David, dando as mãos à cunhada.

- A sério, eu não consigo, David, eu não consigo! Eu tentei ser forte à frente da Magda mas ao ver-te aqui assim… Isto… É demais para mim! – Confessou Cândida, quase em desespero.

- Como é que ela está? – Perguntou David, preocupado.

- Ficou a descansar. Eu dei-lhe um calmante.

- Ainda bem. Pelo menos isso… – Disse David, fazendo um pequeno sorriso. – Ela fez algum comentário?

- Ela ficou a pensar que…

- Que eu a tentei matar? – Perguntou David, triste.

Cândida acenou afirmativamente com a cabeça. David passou a mão pelo seu rosto e levantou-se e virou-se para a parede, encostando as mãos na mesma. Passou as suas mãos pelo cabelo e voltou-se para Cândida, num misto de desespero e tristeza.

- Não pode ser… – Soou ele, com as mãos na cinta. – Ela não pode pensar uma coisa dessas de mim…

- Foi exactamente o que eu lhe disse! – Respondeu Cândida, levantando-se.

- Eu não sei como é que aquela droga foi parar ao meu armário! – Exaltou-se David. – Ela tem de acreditar em mim!

- Oh David, eu acredito! Eu acredito em ti! – Disse Cândida, aproximando-se rapidamente e dando as mãos a David.

- Mas é a Magda que tem de acreditar! – Respondeu David, com olhar triste.  – Eu nunca seria capaz de lhe fazer mal! Nunca! Ela é a minha mulher, eu amo-a! – David fez uma carícia no rosto de Cândida, que o olhava com ar magoado. – Tu tens de falar com ela, Cândida… Tens mesmo.

- Sim…

David agradeceu, pousando a mão no ombro de Cândida e encaminhou-se para a porta, abrindo a mesma, para que pudessem sair. No corredor, já se encontravam Jeff e Sebastien, que se cruzaram com Cândida, que parecia abalada.

- Como está? – Perguntou Jeff.

- Estou péssima… Eu não consigo ver o David assim! – Choramingou Cândida, aceitando o lenço de papel que Jeff lhe estendeu. – Obrigado. Eu não consigo…!

Cândida chorou e assoou-se. Junto deles, apareceu Patrick Langlois, o jornalista amigo de Sebastien e Jeff. Por vezes, este ajudava os inspectores nas investigações com informação, sempre que podia e eles garantiam-lhe os exclusivos dos casos. E, como Patrick tinha sabido do que tinha acontecido, pretendia ter o exclusivo do acontecimento. Patrick ficou com ar confuso, alternando o olhar entre os inspectores e Cândida.

- Olá… – Cumprimentou Patrick. – Sou o jornalista. Está tudo b…

Cândida continuou a chorar e saiu da beira deles rapidamente. Patrick olhou os amigos com ar ainda mais curioso e, antes que estes pudessem dizer o que quer que fosse, o jornalista apontou o dedo na direcção para onde Cândida tinha ido e correu. Como sempre, o seu “faro” jornalístico chamava.

- Achas que o Pat devia...

- Hm, deixa estar. – Concluiu Jeff. – Pode ser que ele dê algum consolo à Cândida, que não me parece nada bem… Pode ser que ele possa ajudar.

Sebastien encolheu os ombros e os dois caminharam pelo corredor. Cândida saia apressada do edifício e desceu as escadas da frente do mesmo. Até dela, corria Patrick.

- Cândida! – Chamou ele. Cândida parou e virou-se para trás. – Está tudo bem?

- Está parvo ou quê? Eu conheço-o de algum lado? – Perguntou Cândida, rudemente.

- Ouça, eu só quero ajudar!

- Você não quer nada! Você é um jornalistazeco de terceira categoria que anda aqui armado em bom! – Resmungou Cândida, antipaticamente.

- Eu estava só a tentar ser simpático! – Respondeu Patrick, sério.

- E eu não preciso da sua simpatia! – Respondeu, pausadamente.

- Lá dentro estava muito triste. – Insinuou Patrick. – E agora…

- E agora não estou a perceber porquê que estamos a ter esta conversa! – Interrompeu Cândida.

- Que mudança de personalidade, ham? – Admirou-se Patrick, cruzando os braços e abanando a cabeça.

- E se se calasse, seu estúpido?! – Chateou-se ela, virando costas.

- Ouça lá! Não é preciso ofender! – Retorquiu o jornalista, agarrando-lhe o braço.

- Mas quem sabe o que é preciso ou não, sou eu. E eu estou-lhe a dizer que você é um idiota e que não quero falar consigo! Portanto, adeus! – Disse Cândida, levando as mãos à boca, mandando beijos e virando costas.

- Mas que ordinária!

- Sim, já sei, já sei! – Respondeu Cândida, sempre a andar, levantando a mão.

- E eu a achar que podia ajudar! Fantástico… – Rezingou Patrick, sozinho.

Já na sala de interrogatórios estavam Jeff, Sebastien e David, que conversavam sobre a visita de Cândida. Jeff continuava a estranhar toda a situação e, sendo ele teimoso como era, não ia descansar enquanto não juntasse todas as peças do puzzle e tudo fizesse sentido.

- A sua cunhada estava completamente devastada. – Comentou Jeff, cruzando as mãos em cima da mesa.

- Eu sei. – Suspirou David. – Coitada. Isto tudo é horrível.

- Ela estava particularmente triste, quase parecia sua mulher. – Disse Sebastien, em tom irónico.

- Pois é… Ela gosta muito de mim. Nós fomos namorados em tempos. – Revelou David.

- Ai sim? – Perguntou Jeff, interessado.

- Sim. Foi a Cândida que me apresentou a Magda.

- Hum, e ainda namoravam? – Perguntou Sebastien, de sobrancelha erguida.

- Eu e a Cândida sim… Mas eu apaixonei-me pela Magda no primeiro dia em que a vi. – Confessou David, sorrindo. – Depois acabei com a Cândida, claro.

- E ela ficou aborrecida? – Questionou Jeff, intrigado.

- No princípio sim, mas depois habituou-se. – Respondeu David, encolhendo os ombros. – Hoje em dia nós somos muito próximos, eu e a Cândida… Nós trabalhamos juntos e tudo.

- Ela alguma vez casou? – Perguntou Jeff, sobre o olhar curioso de Sebastien.

- A Cândida? Não… Tem os seus namorados mas… Ela ainda não encontrou a pessoa especial, mas vai encontrar. Eu sei. Ela merece. – Disse David, sorrindo, enquanto Sebastien e Jeff se entreolhavam, com as declarações.

Cândida estava com um tabuleiro com o lanche nas mãos e empurrou a porta com as costas, entrando no quarto onde estava Magda.

- Maninha, olha o que eu te trouxe! – Disse Cândida, encaminhando-se para a cama. – Olha o que a tua maninha querida te trouxe!

Cândida pousou o tabuleiro na mesinha e olhou chocada, a cama vazia. Levou as mãos ao rosto, assustada. Pegou no telemóvel e ligou imediatamente para a PJ, contando o que aconteceu. Chuck informou Jeff e Sebastien que Magda Desrosiers tinha desaparecido e os três inspectores, mais a equipa de analistas dirigiram-se para a clínica, para investigar. Cândida falava com Chuck, explicando que tinha entrado no quarto e que a irmã tinha desaparecido. A analista procurava impressões digitais, atentamente, quando Jeff se aproximou.

- E então o quê que se passou? – Perguntou Jeff.

- Quando eu cheguei aqui ao quarto, a Magda tinha desaparecido!

- Eu falei com a menina da recepção e com o porteiro e eles não viram nada de estranho. – Disse Chuck, cruzando os braços.

- Isso é natural. Passam a vida a desaparecer para fazer não sei o quê… – Rezingou Cândida. – Eu estou farta de avisar o David, mas ele diz que não é nada, que são novos e o que têm mais é que namorar… Mas enfim, ele quando souber disto vai dar-me razão!

A analista andava à volta da cama, procurando minuciosamente por pistas, até que encontrou algo. Um pedaço de tecido, num dos ferros laterais da cama. Pegou no mesmo e observou-o. Chuck e Jeff olharam atenta e curiosamente para o mesmo.

- Alguém veio visitar a Magda? Amigos…? – Perguntou a analista.

- Não. O David pediu para ninguém visitar a Magda, para ela não se enervar. – Respondeu e esclareceu Cândida.

- Nós precisamos de uma lista das pessoas que entraram aqui no quarto. – Informou Chuck.

- Oh, isso é muito fácil. Fui eu, o David, os senhores e a empregada da limpeza.

- E a empregada usa bata? – Perguntou novamente a analista.

- Sim, usa… – Respondeu Cândida, estranhando a pergunta.

- E usa calças por baixo? – Voltou a perguntar a analista.

- Não, não, só a bata.

- Bom, então isto não é dela… – Concluiu a analista, observando o pedaço de tecido. – Eu vou analisar com cuidado aqui o local… Pode ser que tenhamos aqui mais alguma coisa!

- Acha que a Magda pode ter saído sozinha? – Perguntou Jeff.

- Ai, eu duvido muito. – Respondeu Cândida, de braços cruzados. – Dei-lhe um calmante muito forte. Ela ficou a dormir.

- Eu vou mandar fazer umas buscas nesta zona. – Avisou Chuck. – Vamos? – Perguntou, saindo do quarto, seguido por Jeff e Cândida, ficando a analista à procura de mais pistas.