Capítulo 6 – O raptor

 

O ambiente estava escuro, entrando apenas uns solitários raios de luz por uma frincha de uma janela. Magda acordou deitada na mesa e sentou-se, tentando depois descer da mesa. Contudo, ainda atordoada, caiu da mesma, estatelando-se no chão. Assustada e ofegante, arrastou-se pelo chão, olhando em volta, tentando perceber onde estava. Vendo que estava sozinha, num local estranho, tentou chamar por socorro, mas mal conseguia falar. Encolheu-se e encostou-se à parede, respirando rapidamente e pedindo por ajuda num tom quase inaudível.  Os seus olhos estavam vítreos e pequenas lágrimas começaram a formar-se nos cantos dos seus olhos. Abraçou os joelhos, sussurrando por auxílio, mexendo apenas os olhos, com pânico do que lhe podia acontecer.

- Desapareceu?! – Perguntou David, preocupado, sentado numa das cadeiras da sala de interrogatórios. – Mas desapareceu como?!

- É isso que estamos a tentar perceber. – Informou Jeff.

- Não há tempo! – Disse David, aflito, debruçando-se sobre a mesa e agarrando os ombros de Jeff. – Não há tempo!

- Tenha calma! – Pediu Sebastien, afastando David de Jeff. – Sente-se.

- A Magda é doente!

- Nós sabemos… – Disse Jeff, ajeitando a camisa.

- Ela pode sofrer um enfarte a qualquer instante! – Barafustou David. – E em situações de stress, essas probabilidades aumentam imenso!

- Nós estamos a fazer tudo para encontrá-la. – Informou Jeff. – Temos uma equipa de busca a rondar a zona.

- Isso não chega… Deixem-me sair daqui! – Pediu David, quase implorando.

- Não, não, não. Infelizmente é impossível. – Respondeu Sebastien, abanando o dedo.

- Eu tenho de encontrar a minha mulher! – Disse David, num tom desesperado.

- Nós vamos encontrar a sua mulher! – Garantiu Jeff.

- Deixem-me sair daqui! – Disse David, levantando-se e correndo para a porta, tentando sair mas sendo impedido por Sebastien, que fecha a porta. – Deixem-me sair daqui!

Jeff passava a mão pela testa, pensando numa solução. Sebastien alternava o olhar entre Jeff e David, que estava perturbado e com ar realmente desesperado.

- Eu tenho de sair daqui…

Magda continuava sentada no chão, encostada à parede e tapada com um lençol. Levantou a cabeça e voltou a olhar à volta. Não queria nem podia ficar muito mais tempo ali. Respirava com dificuldade, como se o ar lhe estivesse a escapar, desaparecendo aos poucos. Tentou levantar-se, mas foi inútil. Estendeu-se no chão, agarrada ao peito. Estava novamente com aquela dor agonizante. Cada vez respirava com mais dificuldade, até que perdeu os sentidos.

No departamento, Jeff mandou chamar de novo Pierre Bouvier.

- Se eu sei do paradeiro da Magda Desrosiers? – Repetiu Pierre. – Claro que não. Porquê? Ela desapareceu?

- Sim, alguém a levou da clínica onde ela estava internada. – Informou Jeff.

- Meu Deus… A Magda não tem sorte nenhuma… Eu tinha dito ao Inspector, que ela está rodeada de pessoas más.

- Talvez… Mas não foi por isso que eu lhe pedi que aqui viesse. – Informou Jeff, folheando uns papéis.

- Então diga.

- Segundo o seu depoimento anterior o senhor esteve no enterro da Magda, mas limitou-se a observar de longe…

- Hum, sim… – Confirmou Pierre, engolindo em seco.

- No entanto, encontramos impressões digitais suas no caixão.

- Isso… – Pausou Pierre, ajeitando a gola da camisa.

- Isso…?

- Hum… Isso foi porque… – Gaguejou Pierre. – No dia do velório, eu estive na igreja e toquei no caixão.

- E porquê que não nos disse? – Questionou Jeff, sério.

- Não achei relevante. – Pausou o Detective. – Eu não tive nada a ver com o que aconteceu com a Magda. Eu… Só quis prestar-lhe uma última homenagem... Que não foi nada, porque de facto, ela não morreu.

- Senhor Bouvier, o que é relevante ou não, somos nós que decidimos. – Repreendeu Jeff. – Eu gostaria que nos desse toda a informação que tem.

- Eu não tenho mais nada a dizer-lhe.

- Muito bem. Só mais uma dúvida… – Soou Jeff, encostando-se na cadeira. – Esteve na clínica onde a Magda esteve internada?

- Não.

Após o interrogatório, Pierre Bouvier saiu da sala, indo embora. No laboratório, o analista comparava as impressões digitais, retiradas do quarto de Magda, com a base de dados, encontrando uma correspondência. Sebastien entrou no laboratório, encarando o analista.

- Então, há novidades?

- Há. Há uma impressão digital encontrada junto ao local onde foi encontrado o pedaço de tecido.

- Hum, a sério? E sabe de quem é? – Perguntou Sebastien, com o seu tom impaciente.

- Sei. É do Pierre Bouvier. – Revelou o analista. – Ele esteve na clínica.

Sebastien arregalou os olhos e saiu disparado, procurando Jeff, na esperança que este ainda estivesse a interrogar Pierre. Encontrou-o à porta da sala de interrogatórios e, depois de lhe dar as novidades, os dois correram pelo edifício até à rua, na esperança de ainda encontrarem Bouvier. Olharam para todos os lados, mas nem sinal do Detective.

- Bem, já não o apanhamos. – Disse Jeff, chateado. – Ele já saiu há cinco minutos!

- E agora? – Perguntou Sebastien, desanimado e de mãos na cinta.

- Agora ligamos para a operadora de telefones. Eu quero os registos de chamadas do Pierre, quero falar com a Hortense para ver se ela tem mais alguma informação… – Disparou Jeff.

- Queres tudo! – Disse Sebastien, erguendo as sobrancelhas.

- Quero! Nós temos uma pessoa doente que está desaparecida e não podemos baixar os braços agora! – Incentivou Jeff. – Bem, vamos!

Os dois inspectores voltaram para o edifício e comunicaram a Chuck o que queriam. Após algumas chamadas por parte do chefe, descobriu algumas informações.

- O Pierre comprou dois bilhetes de avião. – Informou Chuck, entregando algumas folhas a Jeff.

- Em nome dele? – Perguntou Jeff, surpreendido, pegando nos papéis.

- Sim. E não é para viajar com a Hortense Simões. – Acrescentou Chuck. – Eu falei com ela e ela não faz tensões de viajar. Está a descansar em casa da irmã e nem sequer sabe onde anda o Pierre.

- E como é que vamos fazer? – Perguntou Jeff, vendo os papéis.

- Eu mandei uma equipa até ao aeroporto… Se vá que ainda é muito cedo. A viagem está marcada para muito mais tarde.

- Então eu vou passar pelo escritório dele… – Avisou Jeff. – Pode ser que ainda o apanhemos, antes de ele chegar ao aeroporto. Até logo!

 Jeff saiu do gabinete de Chuck e chamou Sebastien, que estava na sua secretária, com a cabeça pousada nos braços, observando o cubo. Os dois dirigiram-se para o escritório de Pierre Bouvier. À saída do edifício encontraram Patrick, que lhes perguntou onde iam.

- Apanhar o Pierre Bouvier. – Informou Jeff, sempre a andar para o carro.

- O Detective? Porquê? – Perguntou o jornalista.

- Vamos lanchar com ele! – Respondeu Sebastien, em tom irónico.

- Ah-ah-ah! Engraçadinho! – Soou Patrick. – Vá, digam lá, tem alguma coisa a ver com o assassínio da Magda Desrosiers?

- Ainda não sabemos, Pat, vamos perguntar-lhe agora. – Informou Sebastien.

- Óptimo! Eu vou com vocês!

- Nem penses! – Disse Jeff.

- Jeff… Vá lá..!

- Patrick, eu não tenho tempo para discutir contigo. – Respondeu Jeff, sem paciência, entrando para o carro, seguido de Sebastien.

- Óptimo! Discutir era a última coisa que me apetecia fazer! Vamos? – Sorriu Patrick, abrindo a porta do carro.

Jeff conduziu até ao escritório de Pierre Bouvier. Quando lá chegaram, depararam-se com tudo fechado. Não havia nenhum sítio por onde pudessem entrar. Sebastien bufou e começou a andar às voltas, à porta do escritório. Jeff olhava em volta, acabando por fitar seriamente a porta.

- Vamos ter de arrombar. – Disse Jeff, estudando a porta.

- Mas como? – Perguntou Patrick, erguendo a sobrancelha.

- Eu trato disso! – Sugeriu Sebastien.  – Eu dantes era assaltante de casas!

Os três riram. Sebastien chegou-se um pouco atrás e com toda a sua força, conseguiu arrombar a porta. Os dois inspectores entraram no escritório de arma em punho. Jeff, que entrou em primeiro, imediatamente baixou a arma, quando viu Magda estendida no chão, inconsciente.

- Vai ser preciso chamar uma ambulância! – Avisou Jeff, guardando a arma.

Enquanto Sebastien pegava atrapalhadamente no telemóvel para chamar a ambulância, Patrick e Jeff correram em auxílio de Magda. Aninharam-se ao lado dela e ergueram-na, sentando-a. Jeff constatou que estava apenas inconsciente e apertou-lhe o pulso, sentindo a pulsação, que estava fraca. A ambulância não demorou muito a chegar e rapidamente Magda foi transportada para a mesma.

- Bem, nós vamos ficar aqui. Patrick, eu vou precisar da tua ajuda. – Informou Jeff.

- Claro, diz!

- Vai com a Magda e diz na ambulância a morada da clínica do David e assim que lá chegares fala com a Cândida.

- Oh Jeff, ma-mas… – Refilou Patrick.

- Não, não, não, tu não podes ficar aqui. Pode ser perigoso. – Disse Sebastien.

- Mas vocês acham mesmo que o Pierre volta? – Perguntou Patrick, emburrado.

- Com toda a certeza! Ele vem buscar a Magda. Ele estava a pensar fugir com ela! – Refilou Jeff.

- Daí os bilhetes de avião. – Completou Sebastien, perante o ar confuso de Patrick.

- Está bem, está bem… Eu vou.

- Vai, vai, vai! – Enxotou Jeff.

- Ei, rapazes… Cuidado!

- Não te preocupes. – Disse Jeff.

- Somos profissionais! – Relembrou Sebastien, carregando a arma.

- Patrick… – Chamou Jeff, dando um sorriso. – Obrigado pela ajuda.

Patrick acenou a cabeça e saiu do escritório, dando uma corrida até à ambulância, que rapidamente deixou o local. Sebastien, ao fim de algum tempo, andava às voltas sobre o olhar furioso de Jeff, cansado de o ver de um lado para o outro. Sebastien aproximou-se da janela e espreitou pelo estore.

- Ele vem aí! – Avisou Sebastien, sacando da arma.

Os dois inspectores esconderam-se atrás da secretária, ficando apenas a espreitar e com as armas preparadas. Pierre entrou no escritório, arregalando os olhos quando olhou para a mesa vazia, a mesma onde tinha deixado Magda. Rapidamente Sebastien e Jeff se levantaram, apontando as armas a Pierre. Este atirou-lhes com as mala de viagem que transportava e preparava-se para fugir, contudo, tropeçou no lençol e Sebastien conseguiu agarrá-lo. Jeff apontava a arma a Pierre, enquanto Sebastien o algemava.

- Baixe isso, por favor. – Pediu Pierre. – Eu não vou fugir.

- Eu não acredito em si! – Disse Jeff, cerrando os dentes.

- Eu dou-lhe a minha palavra de honra!

- A sua palavra de honra não vale grande coisa, pois não? – Soou Sebastien, ironicamente.

- Ou já se esqueceu daquilo que nos disse sobre a Magda Desrosiers? – Questionou Jeff.

- Eu não tentei matar a Magda. – Defendeu-se Pierre, com o olhar fixo no nada, olhando depois para Jeff. – Eu amo-a! Quero ficar com ela! Quero levá-la para longe daqui! Para longe do marido, da irmã, de todas as pessoas que não prestam!

- Você sabia que ela podia ter morrido? – Perguntou Sebastien, estupefacto.

- Morrido? – Questionou o Detective, confuso. – Mas como?

Jeff e Sebastien entreolharam-se confusos, com a pergunta de Pierre.

No departamento da PJ, Chuck informava David sobre o resgate de Magda.

- E ela já está na clínica? – Perguntou David, sorrindo.

- Já. A ambulância já a levou para lá.

- Mas está mesmo tudo bem? – Questionou David, preocupado.

- Eu falei com o Dr. … Sousa. É esse o nome dele, não é? – Perguntou Chuck e, perante o aceno afirmativo de David, continuou. – Ele ligou-me, a dizer que está tudo controlado.

- Ah, ainda bem! – Suspirou David. – Eu não tenho palavras para lhe agradecer…

- Não tem de me agradecer.

- Estou tão contente… Eu nunca pensei que o Detective que eu contratei para seguir a minha mulher tentasse matá-la.

- É, isto nunca se sabe o que pode acontecer. – Concordou Chuck, encostando-se na cadeira. – São sempre coisas imprevisíveis.

- Pois é, mas eu sinto-me responsável! – Confessou David, suspirando. – Fui eu que causei esta situação toda com os meus estúpidos ciúmes.

- Então, está na altura de remediar isso… – Disse Chuck. – Vá ter com a Magda.

- Quer dizer que… – Sorriu David.

- Vá buscar as suas coisas. – Informou Chuck, com um leve sorriso.

David sorriu e acenou com a cabeça em tom de agradecimento. Depois de pegar nas suas coisas, saiu do edifício acompanhado de Chuck. Agradeceu mais uma vez e afastou-se, descendo as escadas. Do outro lado da rua, vinha Cândida a correr e a chamar por ele.

- David! David!

Ao ouvir os gritos, Chuck parou no cimo das escadas, espantado, enquanto David e Cândida se aproximavam. Cândida correu de braços abertos para David, que os agarrou, sério.

- Tu deixaste a Magda sozinha?!

- Eu vim buscar-te! – Disse Cândida, tentando agarrar David.

- Não devias tê-la deixado sozinha! Vamos embora! – Refilou David, tentando afastar Cândida.

- Eu estou farta! Eu não aguento mais! Tu és um estúpido! – Irritou-se ela, agarrando-lhe os braços. – Tu não vês o que se passa à tua frente?!

- Mas tu estás louca?! – Perguntou David, chateado, tentando afastá-la.

- Eu vim aqui buscar-te, eu vim aqui ver-te, eu trato de ti há anos, há anos! – Disparou Cândida, descontrolada.

- O quê…? Mas o quê que tu estás a dizer?!

- A Magda tem outros homens! – Informou Cândida, de olhos arregalados, olhando David. – Sempre teve. Eu, eu é que a ajudei a encobrir sempre os casos! O Detective… Tu não achas estranho, o Detective ter dito que não tinha descoberto nada? Sabes porquê?! Porque ele foi amante da Magda! 

- Cândida! – Soou David, incrédulo.

- Foi não, não! Ele é amante da Magda! Ela ia fugir com ele! – Disse Cândida, colocando as suas mãos no rosto de David.

- Tu não estás bem…! – Constatou David, abanando a cabeça e afastando a cunhada.

- Eu estou farta! – Berrou Cândida, agarrando-o novamente.

- Isto é um ataque de histerismo, não é?!

 - É! Também tenho direito, sabias?!

- Olha, eu não sei o que se passa, mas eu não vou ouvir nem mais uma palavra! – Disse David, afastando-a e saindo da beira dela.

- Vai… Vai! Ter com a tua mulherzinha! Há homens que gostam de ser enganados e pelos vistos tu és um deles! – Refilou Cândida, em histerismo no meio da rua. – David!

David continuou a afastar-se pela rua abaixo, ignorando os gritos da cunhada. Cândida bateu os pés no chão, frustrada e cruzou os braços, permanecendo no mesmo sítio, observando David. Chuck franziu os olhos, desconfiado. Abanou a cabeça e voltou para dentro do edifício.